Pesquisa revela que povos originários interagiam com pegadas de Dinossauros

Em 19/04/2024

Tempo de leitura: 10 minutos

De acordo com o estudo, as pegadas foram identificadas pelos indígenas, eram significativas para eles e também foram integradas ao seu repertório de conhecimento. Sítio arqueológico é o único do mundo em que petroglifos e vestígios pré-históricos aparecem associados.

 

Uma pesquisa identificou em Sousa, no Sertão da Paraíba, desenhos de povos indígenas interagindo com pegadas de dinossauros em um sítio arqueológico.

De acordo com o estudo feito por pesquisadores brasileiros, bem antes das chegadas dos portugueses ao Brasil, as comunidades originárias descobriram as pegadas e incorporaram as marcas fossilizadas ao seu repertório de conhecimento e na arte realizada no período pré-colonial. Segundo os pesquisadores, essa é o único local no mundo em que esses registros aparecem de forma associada.

No sítio arqueológico Serrote do Letreiro: Uma linha tracejada indica pinturas rupestres feitas por povos indígenas, enquanto uma linha contínua mostra pegadas de dinossauros Terópodes.

Os desenhos, chamados de petroglifos pelos pesquisadores, foram demarcados no sítio arqueológico Serrote do Letreiro, localizado em uma propriedade rural privada, há 11 km do centro urbano de Sousa.

A cidade abriga o maior conjunto de pegadas de dinossauros provenientes da fase inicial do período Cretáceo da América Latina.

Este sítio é relevante para o conhecimento das populações indígenas da região e a sua relação com o ambiente em que viviam, incluindo a interação com os fósseis. E paleontologicamente é relevante pois apresenta um abundante registro de pegadas de dinossauros, algumas das mais antigas pegadas de dinossauro do Período Cretáceo do Brasil, e que, além do mais, estão preservadas de forma excepcional“, afirma a pesquisadora Aline Ghilardi, umas das responsáveis pelo estudo.

Giuseppe Leonardi – Padre e Paleontólogo italiano. Realizou cerca de 90 expedições na América do Sul, da Patagônia à Amazônia, entre elas 32 na bacia do Rio do Peixe em Sousa (PB).

De acordo com Aline Ghilardi, uma das responsáveis pela pesquisa e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o sítio arqueológico Serrote do Letreiro começou a ser pesquisado na década de 1970, pelo padre paleontólogo italiano Giuseppe Leonardi (Foto acima), mas os moradores da região já conheciam o local.

Apesar de conhecido cientificamente, o sítio nunca tinha recebido uma descrição tão cuidadosa sobre a associação de petroglifos às pegadas fósseis. Trabalhos anteriores apenas mencionaram a ocorrência, sem se aprofundar na relação. A novidade agora é que nos debruçamos com mais cuidado sobre este sítio para interpretar essa associação única no mundo e apresentá-la em mais detalhes”, afirmou Aline Ghilardi.

A pesquisadora afirma que as pegadas e inscrições são facilmente visíveis na região, com exceção para algumas marcas que já foram desgastadas pela ação do tempo.

Os desenhos foram feitos no entorno das pegadas, mas nunca em cima delas, o que indica que as comunidades humanas identificaram as marcas e tiveram cautela com elas.

Foto direita: Brasil, Rio do Peixe, Passagem das Pedras. As pegadas profundas de um dinossauro ornitópode, o Sousaichnium pricei , descritas por Leonardi com base nestas pegadas que têm um diâmetro médio de 35,7 cm. Era um semibipede que também deixava pegadas intermitentemente nos membros anteriores. Neste ponto, foram escavadas 25 pegadas anteriores e 52 posteriores. Foto: © Ismar de Souza Carvalho.                                        Foto esquerda: Brasil, localidade Passagem das Pedras. Leonardi perto da intersecção de duas pegadas de terópodes, bípedes, predadores correndo (ver formato de pé de pássaro), que por sua vez se cruzam com uma trilha de iguanodontídeos, um ornitópode , semibipedal e dinossauro herbívoro . A partir da distância dos passos calculou-se que um corredor andava a 12,8 km/h (esquerda) e o outro a 20,7 km/h (direita). O iguanodonte caminhava a 4,2 km/h. Foto: © Franco Capone.

O fato de a maioria das inscrições terem sido feitas no entorno das pegadas é um forte indício que eles notaram que algo de diferente ou especial estava ali. Além disso, o fato de nenhuma inscrição – apesar de serem muitas- ter sido feita por cima das pegadas ou danificando as pegadas, demonstra algum cuidado por parte dos “artistas””, explicou a pesquisadora Aline.

A pesquisa ainda afirma que os petroglifos foram feitos por um grupo humano que habitou a região do Seridó, considerando o noroeste da Paraíba, o sudoeste do Rio Grande do Norte e parte do leste do Ceará, durante o período pré-colonial.

Reconstrução de um dinossauro semi-nadador a partir dos vestígios encontrados: ele mergulhou em águas rasas onde havia um “pé”, ou seja, tocando o fundo com os dedos, que hoje apresenta sinais de arranhões, e continuou imerso por 2 / 3 procurando peixes. Foto: © Desenho de Giuseppe Leonardi. 

De acordo com Aline, alguns sepultamentos antigos encontrados na região, associados à essa população, datam de 9 mil a 2 mil anos, o que indica o tempo que viveram no local.

Petroglifos similares são encontrados por toda essa área, em distintos sítios arqueológicos, mas a associação com pegadas de dinossauros ocorre apenas no Serrote do Letreiro, em Sousa, na Paraíba”, explica.

Ilustração de dinossauro Terópode.

A pesquisa foi realizada por pesquisadores da Universidade Regional do Cariri (URCA), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), pesquisadores independentes e uma arqueóloga da Fundação Casa Grande do Ceará. O estudo foi publicado em 19 de março na revista Nature.

Os desenhos dos povos originários

A professora explicou que os petroglifos são imagens criadas em uma superfície rochosa a partir da quebra ou raspagem. Aline Ghilardi afirma que a maioria dos petroglifos do Serrote do Letreiro foram feitos por picotagem, mas alguns desenhos também foram criados a partir de abrasão ou raspagem.

Pegadas e petróglifos foram encontrados no sítio arqueológico Serrote do Letreiro, em Sousa (PB).

A pesquisa identificou cerca de 54 petroglifos em três áreas analisadas, mas aponta que o número pode ser bem maior, porque algumas marcas se deterioraram com o tempo.

De acordo com pesquisadora, a maior parte dos desenhos são formas geométricas. Os mais comuns são círculos com divisões internas e com linhas radiadas ou círculos alinhados cortados por uma linha, mas ela também destaca que foram encontradas formas retangulares com subdivisões internas.

Reconstrução baseada nas pegadas encontradas no sítio do Piau (Rio do Peixe), nesta cena quatro grandes terópodes seguem três titanossauros se preparando para o ataque. Foto: © Desenho a tinta de Giuseppe Leonardi, a partir de placa de Renzo Zanetti.

O estudo argumenta que a comunidade humana responsável pelos desenhos não possuía o conhecimento sobre dinossauros que temos hoje, mas, possivelmente, as pegadas foram identificadas por causa da semelhança com as pegadas da ema, a maior ave do Brasil, também considerada um dinossauro terópodes (andava sobre duas patas) moderno.

Os que mais chamaram a atenção foram motivos tridáctilos (pegadas de animais com três dedos), lembrando o formato das pegadas de dinossauros terópodes, as mais abundantes no sítio. Essas pegadas são idênticas às pegadas de aves atuais, exceto pelo tamanho. A única ave brasileira com um pé de formato e tamanho similar são as emas. Ficamos imaginando se eles teriam feito essa conexão”, explicou Aline.

Pesquisa revela que povos originários interagiam com pegadas de Dinossauros

O ambiente de aproximadamente 140 milhões de anos das bacias do Rio do Peixe. No topo da cadeia alimentar estavam os grandes terópodes (primeiro plano), mas descobriu-se que os saurópodes (parte inferior) não eram numerosos o suficiente para sustentar os carnívoros. Portanto, devia haver terópodes onívoros e vegetarianos, bem como piscívoros; os terópodes também eram muito mais ativos, deixando assim mais pegadas. Foto: © Desenho de Ariel Milani Martine.

Para o desenvolvimento da pesquisa foi necessário demarcar todas as pegadas e desenhos identificáveis em três grandes áreas do sítio.

A equipe registrou as marcas utilizando um drone com câmera em alta resolução para conseguir digitalizar toda a região e georreferenciar cada marca. Todo esse trabalho permitiu que os pesquisadores estabelecessem uma relação entre a arte rupestre e as pegadas de dinossauros.

As pegadas dos dinossauros

A pesquisadora Aline Ghilardi, que atua no Laboratório de Paleontologia do Departamento de Geologia da UFRN (DinOLab), explica que as pegadas dos dinossauros que viviam no Serrote do Letreiro possuem entre 145 e 130 milhões de anos e são muito mais antigas que os petroglifos da população que habitava aquela região.

Ilustração de dinossauro Saurópodes.

Os dinossauros que produziram as pegadas encontradas no sítio são identificados, atualmente, como terópodes, ornitópodes e saurópodes.

A professora explica que os terópodes são dinossauros carnívoros, já os ornitópodes são herbívoros e andavam sobre as duas patas, por último, os saurópodes eram grandes dinossauros quadrúpedes de pescoço comprido.

A preservação das pegadas e desenhos

O estudo também avalia a qualidade da preservação deste sítio arqueológico. De acordo com Aline Ghilardi, o sítio carece de proteção formal por causa do intemperismo natural das rochas, que já está desgastando as pegadas e os petroglifos.

Ilustração de como se formaram as pegadas: um dinossauro terópode, por exemplo, passando na margem de um corpo d’água, comprimiu a lama. Nesse ponto, uma camada de bactérias ou algas poderia “colonizar” o ambiente da pegada e, à medida que crescesse, poderia tornar-se uma espécie de película protetora. Com o tempo, durante uma fase seca e devido ao efeito do sol, a pegada poderá consolidar-se e, como proteção adicional, os sedimentos poderão cobrir o nível. A erosão do solo devido a vários factores, tais como torrentes sazonais ou vento, pode eventualmente trazer a pegada de volta à luz. Foto: © Desenho de Ariel Milani Martine.

A pesquisadora e o estudo indicam a construção de alguma estrutura ou sinalização, dada a importância da localidade. De acordo com a professora, alguns terrenos próximos já estão sendo ocupados para a construção de bairros ou condomínios, o que oferece um risco aos materiais fossilizados.

A família que detêm o terreno do sítio em si cuida da área como pode e somos infinitamente gratos por sempre nos terem recebido com muito carinho e também por fazerem o melhor que podem. Eles merecem todo carinho e respeito. Porém, certamente o ideal seria uma proteção formalizada da área, dada a sua grande relevância arqueológica e paleontológica”, afirmou.

Reconstrução ambiental com dinossauros Saurópodes e Terópodes do depósito Rio do Peixe onde, há cerca de 140 milhões de anos, no Cretáceo Inferior, existiam lagos temporários em cujas praias os dinossauros se moviam. Foto: © Desenho de Ariel Milani Martine.

A pesquisadora destaca que o sítio é relevante para o conhecimento das populações indígenas da região e a sua relação com o ambiente em que viviam, incluindo a interação com os fósseis.

Também afirma que a região apresenta uma abundante quantidade de pegadas de dinossauros, sendo algumas consideradas os mais antigos registros de dinossauros do Período Cretáceo do Brasil.

No sítio arqueológico do Serrote do Letreiro: Pegadas de dinossauros Terópodes, Saurópodes e Ornitópodes de aproximadamente 140 milhões de anos atrás.

O sítio do Serrote do Letreiro é sobretudo especial, porque nos lembra que a relação das populações humanas com os fósseis vem desde muito antes da ciência ocidental se instalar. Desde tempos remotos as pessoas interagem com os fósseis e, à sua maneira, encontram significados e explicações para eles. Por essas e outras razões, os fósseis são considerados também como patrimônio cultural, porque ajudam a contar não só a história de seres muito antigos que viveram no nosso planeta, como os dinossauros, mas também a nossa própria história e da nossa relação com o mundo natural”, afirma a pesquisadora.

 

 

 


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